sexta-feira, fevereiro 22, 2008

O segredo da magia




Chovia incessantemente. O vento uivava, levantava as telhas e lavava as janelas. Eram duas ou três da manhã. Acordei, pois era impossível dormir com a tamanha violência do temporal. Levantei, olhei a casa, as janelas batiam como nunca, até a porta da frente sacolejava como se alguém quisesse entrar. Tentei calçar as janelas com pedaços de papel, pôr cadeiras com baldes de água junto às portas... Mas nada poderia fazer com o telhado.
Tinha decidido cozinhar uma sopa, de repente o seu calor me desse sono e me fizesse dormir mesmo com medo. Tenho medo da chuva desde a infância, e é nesse momento que vejo a necessidade de ter alguém aqui. A sopa estava quase pronta quando ouvi um barulho parecido com um gemido, um choro perto a porta da cozinha. Acendi a luz de fora e, sem pensar, abri-a. Assustei-me, parecia uma daquelas personagens dos pesadelos infantis. A senhora despiu-se do capuz e pareceu ser afável. Seu rosto parecia-me estanho e ao mesmo tempo muito familiar.
Deixei que entrasse, estava molhada e parecia assustada também. Ajudei-a com as roupas molhadas, dei-lhe um casaco seco, e ofereci-lhe da sopa. Enquanto jantávamos, como ela não me dizia nada além dos obrigados, resolvi perguntar o que ela fazia à rua em uma madrugada de temporal como aquela. A senhora olhou para mim, lágrimas grossas começaram a escorrer dos seus olhos, quando ela começou a dizer que há muito caminhava em busca de encontrar alguém que pudesse ser o guardião do segredo.
Por um instante achei que sonhava. Nada daquilo me fazia sentido. Agora, essa história de guardião do segredo. Ao ouvir aquilo, senti um misto de calafrio e calor, uma arritmia, uma tontura... Coisas passaram-se na minha frente como um filme surrealista: fogo, muito fogo, lua cheia, música... De repente, eu estava deitada em minha cama e a velha senhora estava fazendo-me compressas à testa e me pedindo para ter calma que tudo não se passava de lembranças de logos tempos.
Eu entendia menos a cada palavra sua. Vi tudo a minha volta rodando e se misturando às visões, quando dei por mim já era dia, o temporal havia passado e a velha senhora me chamava para o café da manhã. Levantei-me, ainda com os sentidos anuviados, sentei-me à mesa, e, enquanto ela me servia o chá, ela cantava uma música numa língua que eu desconhecia, mas com uma melodia familiar. Terminado de servir, a senhora pediu-me calma que ela me explicaria em seguida tudo o que estava acontecendo e que de nada eu precisava ter medo.
Há muitos anos, nos tempos em que o mundo ainda era por menos da metade conhecido, numa ilha que hoje se perdeu, Raiss, guardiã do segredo da magia, teve uma filha, Lyusi, para quem passaria o segredo quando o momento chegasse. Lyussi não poderia jamais se ausentar da ilha após o conhecimento desse segredo, sob a pena de a ilha se perder por dentre os mares. Raiss, ao ver que sua morte se aproximava, passou o legado à filha. Após alguns anos de sua morte, Lyussi conheceu um marinheiro que navegando em meio a uma tempestade, por acidente, havia se perdido e chego à ilha. Deu-lhe abrigo por dias, até que a tempestade se afastasse para longe. Ao longo desses dias, Lyussi conversava com o marinheiro Rayji sobre as suas aventuras no mar, sobre os lugares de que ela nunca ouvira falar. No dia da partida de Rayji, Lyussi se viu perdidamente apaixonada por ele, e ele por ela. Ele tinha de partir, ela de ficar. O sentimento era violento o bastante para que o casal se afastasse.
Lyussi que já cansada de viver isolada na ilha, de conviver sempre com as mesmas pessoas e de ter tantas responsabilidades, agora apaixonada, esqueceu-se do princípio de ser a guardiã do segredo da magia, embarcou com o marinheiro Rayji e partiu mar a fora.
A ilha, como os princípios, passou pela seca, pela fome, pela miséria e no primeiro temporal, tudo se perdeu. O espírito de Raiss levou a ilha para o fundo do mar.
De repente, olhei para a senhora e notei o que carregava no pescoço, uma pedra linda atada a um cordão prateado. Perguntei sobre a pedra, e a senhora quis saber o porquê da pergunta... Aquela pedra, algo me despertava na mente, eu a olhava e via fogo, sentia até mesmo o seu calor e também uma vontade de dançar... Era a pedra-da-lua, a pedra capaz de nos fazer recordar as outras vidas.
A senhora retirou o cordão e o laçou em mim... Nesse instante, vi a mim noutros tempos, eu, Lyussi... O segredo da magia... O marinheiro... Então, transportei-me totalmente aquele tempo e lugar, tentei impedi-lo de partir, mas foi inútil. Um amor perderei, mas a magia não arriscarei.
Como se caísse do céu, despertei sentada à mesa... O café ainda estava posto... O sol estava alto, não havia mais ninguém comigo. Duvidei. Acreditei tudo ter sido um sonho, um desvario causado pelos chás, pelo medo... Pensei por tudo... Senti algo pesar no colo, pousei minhas mãos e lá estava a pedra-da-lua.


Quando pensei que naufragava,
Eu aportava em sã segurança
Numa Santa aliança que tudo hoje alcança...
A gente então apenas dança e não balança
muito menos perde a esperança

Em memória...



Fecho os olhos e lembro daquela encantada estrada
Da água que corria pelas pedras e que escorria pela verde folha ali deixada...
Sinto o perfume das flores... Mel... Há um cheiro de mel no ar
Ouço os encantos da cachoeira escondida...
Percebo a brisa que inebriava a minha mente
Escuto o seu caminhar... Sinto sua mão entrelaçada a minha
Os pássaros...
Meu coração salta como a lilás borboleta que nos acompanhava
Era uma companhia quase como guia
Vejo a estrada estrelada
Vejo as árvores, as folhas brisadas
Não houve fotos. Apenas fatos

TESTE ou AVISO? O Otimismo e Uma conspiração.




Dez da manhã, acordara com o telefone tocando... Correra para atendê-lo se esquecendo dos óculos e dos chinelos. Era verão, seus pés estavam suados... Não vira a bacia de roupas limpas próxima à porta... Paft! Levantara-se zonza, chegara ao telefone... Ele parara de tocar. Mas que merda! Uma enorme rouxidão se formava em seu joelho direito e seu braço, também o direito, já mal poderia segurar sequer o vidro do detergente de cozinha.
Dez e meia, novamente, tocara o telefone. Era O Telefonema! Uma entrevista de emprego, do emprego esperado, para às 15 h. Suas dores no corpo pareceram desaparecer até que a ligação fosse encerrada. Putz! E agora, meu braço dói e está ficando roxo... Manco da perna... E a entrevista? Única chance...
Fizera o próprio almoço neste dia... Logo hoje que não tinha deixado nada pronto! Mas é um cacete mesmo! Não creio! Era só o que me faltava... Com muito sufoco, valendo-se apenas da mão esquerda, fizera um ovo frito para comer com pão, mas isso depois de ter derrubado todo o macarrão a bolonhesa no chão por não suportar o peso com a mão esquerda...
Tomara banho e, ao terminar de se vestir, derrubara o último vidro de perfume no chão, aquele importado ganho de sua mãe no Natal, pois tinha a mão esquerda além de fraca, suada... Saira de casa com demasiada pressa e irritação que se esquecera de imprimir uma nova versão do seu currículo para a entrevista e também de pegar o cartão de integração que estava na bolsa de praia.
Correra meio manca para não perder o ônibus. Ao passar na catraca percebera o esquecimento do cartão... Já eram 14 h 30, não havia jeito. Pagara a passagem mais cara e se sentara ao sol, não havia mais bancos disponíveis a sombra. Enquanto o ônibus passava pelo túnel, levantaram-se três rapazes não muito aprumados que anunciaram um assalto. Perdera suas últimas cinqüenta pilas... E não ficara nem o dinheiro da passagem de volta... Mas tudo bem, estou indo me empregar, algo bom há de acontecer hoje, não é possível, deve ser um daqueles testes divinos de persistência de que falam os crentes...
Chegara ao local da entrevista, falara com a secretária e, então, a pergunta cruel... Putz! O currículo! A secretária, dispensando-a, orientou-a para que aguardasse um novo telefonema para remarcar a entrevista.
O jeito agora é ir a um posto policial... De repente, encontro o amor da minha vida.