sexta-feira, agosto 24, 2007

Contos do sul

Barbaridades

É de tarde. Todos já almoçaram. Os donos da casa agora estão no jardim com suas visitas.

-Ah, com certeza! Se eu um dia eu pegar o Perez me traindo, eu o mato com o tiro na testa e mato a pilantra com um tiro no peito. Não faria nenhum escândalo, nada. Seriam apenas os dois tiros. Depois, eu sairia numa boa, tranqüila, iria embora para bem longe apenas com a roupa do corpo.

-Credo, amor, para que tanto? Imagina, eu, o teu maridinho, te traindo. Jamais! Você é a minha estrela norteadora. Jamais.

-Luna, capaz mulher! Tu seria assim, tão sangue frio?

-Aha! Me sirva mais um. Se ele ousar me testar assim, com certeza, com certeza.

-Hehe, Perez, Perez, Tu está ferrado, meu velho! Vê só, a senhora Ventania, ela é braba, tchê!

-Carlitos, que nada, essa aí... Quem manda sou eu, ela só obedece! Essa brabeza aí é só porque já tragou uns e tá na frente das visitas.

-Vê só Zélia. Esse aí se acha o Todo Poderoso.... Tadinho.

-Luna, dá licença de eu usar o teu banheiro?

-Capaz, tu me pedindo licença. Vá!

-Dona Luna, dona Luna!!!!! Acode aqui que a Zilá tá tendo um troço!

-Zilá! Zilá! Mais o que foi que aconteceu com ela?

-Ela estava no telefone e desmaiou. Não sei nem com quem ela estava falando.

-Zilá! Zilá! Dona Luna? Meu irmão...

-Calma Zilá! Pega água pra ela, anda!

-Me conta, agora, o que aconteceu?

-Meu irmão foi preso. É coisa do Miltinho. Meu irmão é muito sério, não dá pra essas coisas.

-Calma, tchê!

-A minha mãe, dona Luna, ela não pode sofrer de nervoso. Ela é velha já, sabe?

-Tá, e aí, tu vai lá?

-Se a dona Luna deixar...

-Vai, te manda mulher, te manda, capaz!

-O que foi Luna, que houve lá dentro?

-A Zilá que teve um troço. O irmão foi preso, ela está com medo da mãe dela passar mal com a notícia, sabe? Dei folga de uns dias para ela ir ver o que pode fazer.

-Gente, a conversa está boa, mas nós temos de ir. Amanhã é segunda-feira e o Carlitos tem que ir trabalhar.

-Luna! Luna!

-Que foi, homem? Que agonia é essa?

-Entra e fecha a porta!

-O que foi?

-Cadê a arma que eu guardava no cofre? Anda! Cadê?

-E eu vou saber?

-Tu disse hoje mesmo que me mataria com tiro na testa e o escambau, e agora vem me dizer que não sabe de arma alguma?

-Mas eu não sei. Falei por falar.

-Pera aí, que tu vai ver uma coisa.

-Júnior, Amanda, Isa, Zélia, todos da casa, agora aqui!

-Alguém sabe do meu Smith?

-O que pai?

-Falo do meu revólver! Bah! O mesmo com qual a sua mãe jurou lá fora que me mataria! Ele sumiu!

-Não jurei que te mataria, e muito menos que seria com o teu Smith!

-Mas falou que me mataria. Chora mesmo! Chora! Porque os nossos amigos são testemunhas do que tu falou e eles vão te entregar!

-Pai!

-É! Fala agora pros meninos o que você disse lá fora! A dona Luna falou que me mataria com um tiro na testa!!! Veja só! Agora, o meu Smith sumiu! Só pode ter sido ela, já armando uma cilada!

-Tu vai ver! Tu vai me pedir perdão mesmo que morto. Barbaridade! Como que faz isso comigo. Tu tá doido é?

-Chora! Tá com remorso? Cadê o teu amante para me matar?

-Pai, tu enlouqueceu? Pare com isso já. Bah!

-Tua mãe que tá armando uma já para me matar. E a bisca ainda avisa em público, tchê! Tá pensando o que?

-Mãe, deu! Vamos lá pra cima. Tu dorme hoje lá com a gente!

-Véio, tá vendo só! Nem foi ela que pegou o Smith. Vê só o que tu tá fazendo.

-Ela falou! Ela falou que matava eu na testa!

-Ah?

-É isso aí! Que me matava com tiro na testa e tudo! Bah. Vê só o demônio que é essa ventania?

-Pai, não é assim. E por que afinal que ela disse que te matava assim?

-Se ela me pegasse traindo.

-Aha! Então tu está traindo ela?

-Eu? Quem foi que disse essa bobagem?

-Se tu está assim num desespero de dar dó...

-Eu? Mas é nunca, tchê! Perdeu o juízo foi, teu moleque? Não sabe mais quem é teu pai?

-Mas então? Pra que tanta brabeza?

-A mulher me jura de morte, e o meu Smith some! Tchê! Tu? Como é que tu reagiria?

-E eu lá vou saber. Bah, não dou motivo para desconfiarem de mim. Ninguém me jurou de morte ainda!

-Vá te deitar! Vá que tu de nada sabe!

-Mulher! Dona Luna! A conversa não acabou! Tu não vai dormir aí, se é o que tu pensa.

-Já vou, já vou.

-Tu que não me devolva o Smith até meio-dia para ver só! Meio-dia e dez eu faço queixa de ti na polícia!

-Vai! Tu vai é pra puta que te pariu! Eu não peguei Smith nenhum. E se eu o achar eu te entocho ele! Vá te catar!

Ao meio-dia do dia seguinte, nem o Smith apareceu, nem a queixa foi registrada. Disse na TV que a família do abastado advogado Perez foi encontrada toda morta. Não há ainda indícios de roubo. Suspeitam de assassinato seguido de suicídio. A polícia está ainda averiguando o caso.

Contos da cia 3

Stênio participa de um concurso para professor universitário

Cidade do interior, verão, 36°C. Stênio acorda, puxa o relógio de passeio de sua esposa e verifica são seis horas ainda, durmo mais um pouco, às sete me levanto. Stênio, pela sua ansiedade, acorda novamente sem despertador são sete! Arruma-se e vai pelas ruas da cidadezinha até a universidade, onde participará de um concurso para professor efetivo.

Que sol forte, pensa, são oito e poucas, não deveria ainda estar assim. Preciso ver as horas... Nenhum comércio está aberto, não passa por mim nenhuma pessoa com relógio... Chega à universidade, mas não há ninguém na portaria para informá-lo das horas e do possível local onde ele encontraria as pessoas.
Onde terá ido o pessoal? A sala é essa, conforme o edital... Stênio anda por todo o prédio, sente-se estranho, quer ir embora, sente-se como que dentro de um conto fantástico, onde tudo pode acontecer e esse tudo só pode ser o do pior possível. A saída? Me perdi, agora se deu a confusão... Acho que vim daquele corredor... Stênio dobra o corredor à sua direita, quer achar a saída e ir embora. Há algo que o diz: Se manda, rapaz! Enquanto hesita em apertar o botão do elevador, uma porta à suas costas se abre.
-Ohôhô, grande Stênio, você está atrasado.... Vamos ver o que podemos fazer, vamos à sala da prova, os pontos para as provas dissertativa e expositiva já foram sorteados. Falou um dos professores-avaliadores que, por sinal, conhecia Stênio de longas datas.
Meu Deus, e agora? Não posso mais fugir! E a banca? São todos conhecidos meus! Stênio não sentia mais nem a própria alma. Só podia pensar em que estava fazendo ali e a necessidade de fugir. Na verdade, Stênio já não sabia mais porque queria fugir, apenas queria.
-O nosso amigo chegou atrasado, mas como ainda não divulgamos os pontos, se ninguém da turma se opuser, ele poderá participar.
Vários não, não, por mim, ele pode participar foram murmurados e Stênio não pôde recusar a participação.
Todos estão sentados em seus lugares à espera da divulgação dos pontos. Os participantes têm direito à consulta às suas anotações referente ao assunto pelos primeiros trinta minutos. Por um momento, Stênio achou-se aliviado, mas suas mãos suavam frio como nunca antes, e o seu coração estava acelerado.
Meu Deus, dos dez prováveis pontos dessa prova, estudei nove. Os pontos foram finalmente divulgados: Análise do xxxxx; prova expositiva: Análise do xxxxx.
Stênio perde a consciência por alguns segundos, pensa em desmaiar, olha para o quadro várias vezes, tenta pensar, sua mente se confunde. Stênio pega os papéis que possui, tenta fingir lê-los, não sabe o que fazer. Meu Deus, por que age assim comigo? A probabilidade de cair o mesmo tema nos dois sorteios é ínfima, e justo o único que não pude estudar!
Stênio sente uma força sobre a sua cabeça e um filme vem à sua mente: a falta do livro que emprestara há um ano e meio ao amigo de sua esposa que, por ventura ou castigo, era um dos participantes daquele concurso; o quebrar do carro no caminho da viagem, o decorrente atraso da viagem em doze horas; a dificuldade em se instalar; o descarregar da bateria do celular (essa durava 15 dias, logo ontem descarregou); o relógio que sua esposa usava ser o de passeio, logo estava atrasado em uma hora (o horário de verão já havia começado há três dias); o decorrente atraso de uma hora na chegada à universidade; a sensação de terror vivida até ali... Deus o avisara de várias formas que não adiantaria de nada insistir naquilo. Realmente, a minha vida está predestina ao capino do sítio improdutivo que herdei e a tolerância com dos porres da minha mulher!
O aspirante a professor guardou suas coisas, levantou-se e dirigiu-se à mesa.
-Aqui está!
-Como assim, você vai desistir?
-Vou, porque pensando bem...
Stênio soltou um sorriso amarelo e continuou
-Tenho uma bolsa de pós-doc na Argentina já aprovada, e eu queria fazer essa prova por experiência mesmo, mas acho melhor eu ir andando.
Stênio saiu só aos ossos. Não conseguia pensar. Não conseguia enxergar ou ouvir. Saiu da universidade e chegou ao hotel sem saber como, pareceu mágica. Pegou suas coisas, deixou sua esposa dormindo embriagada no hotel, pagou a conta e se mandou para nunca mais voltar à vida que levara até ali.

Disse um amigo meu que a esposa de Stênio se suicidou ao ver que o marido fugira, e que o próprio se tornou hippie e vive hoje de artesanato e erva na Bahia em alguma praia e, de vez em quando, vai aos Xangôs em busca de salvação.

quinta-feira, agosto 16, 2007

A vida é essa

Com pressa
nada cessa.
De repente,
vale uma bela compressa.

sexta-feira, agosto 10, 2007

Histórias da Sereia

In: pires.blig.ig.com.br/


Os encantos do mar

Seis horas da manhã. Nem um minuto a mais, nem um a menos. Quando percebi, eu estava sentada sobre a cama olhando, pela janela, o movimento que não existia na rua. Uma vontade de chimarrão me acometeu. Apesar do friozinho que despertava a preguiça em mim, levantei-me, preparei a cuia, a erva, aqueci a água... Mais uns minutos, o chimarrão estava pronto. Resolvi que o tomaria na sacada. Algo me fizera despertar, abrir as cortinas e olhar para a rua, como se algo ou alguém fosse chegar, por isso, resolvi que iria ver o que tanto me chamava à rua naquele horário.
O dia estava se descortinando, o sol ia se fortalecendo, as pessoas começam a aparecer. Ainda eu pensava o que teria me feito desejar ver a rua naquela hora. Afinal, era segunda-feira. Apenas eu, uma pessoa a espera de uma ligação para atender a uma vaga de emprego, estaria com aquela manhã livre para olhar a rua.
O dia estava avançando cada vez mais, eu já estava perdendo a vontade de ali permanecer... Resolvi que pegaria o romance que eu estava lendo e ali daria continuidade. Assim que entrei na sala, o telefone tocou. Atendi-o, mas a ligação caiu. Irritei-me, pois a cada vez que o telefone tocava, uma esperança despertava no meu peito. Tomei o romance em mãos, voltei à sacada, enchi a cuia novamente com a água quente e dei início aos processos, o matear e o ler.
Certa altura da manhã, cansei-me do livro e a água quente acabara. Resolvi que já era hora de preparar algo para almoçar. Abri a geladeira, não havia nada que me despertasse o apetite. Arrumei-me então e me dirigi ao feirão.
A caminho, pelas ruas que passava, percebi que o dia estava diferente. A tonalidade das cores era forte e essas se tornaram mais vivas. Havia um capricho especial da natureza. O vento soprava delicadamente e o sol apenas iluminava, neste dia, ele não queimava nada por onde permeava.
Uma alegria estava se instaurando no meu peito. Não era qualquer alegria. Era uma alegria que eu jamais sentira na vida. Como se Deus estivesse me abraçando e me dizendo que um verdadeiro milagre aconteceria. Não. Definitivamente. Era algo diferente disso. Blasfêmia, ou não, digo que a alegria que me invadia era maior que Deus. Era uma alegria que não se deve ser de costume acontecer na Terra.
De repente, um desejo me invadiu a mente: ir à praia. Não queria ir mais ao feirão, de repente, nem quisesse mais almoçar. Tomei o rumo ao contrário. Dirigi-me à estrada da praia.
Praia linda. O mar estava suave. A brisa que dele soprava parecia um encantamento. Quando dei por conta, estava descalça, tinha amontoado as sapatilhas junto à bolsa e já estava com a água pelos joelhos. Ali permaneci sentindo a brisa me envolver.
Escutei alguém me chamar. Não sei quanto tempo ali estava parada. Não me chamavam pelo nome, apenas me chamavam. Sabia que era a mim que chamavam, pois a praia estava deserta. Olhei em volta nada vi. Voltei os olhos para o horizonte azulado e avistei uma pequena embarcação de pescadores. Como que se o encantamento das brisas passasse, resolvi voltar à areia e pegar minhas coisas.
Quando quase pronta para retomar os planos de ir ao feirão, da embarcação que havia já chego à praia, a voz de homem, como aquela que havia pensado ouvir antes, me chamou por três vezes. Olhei para a embarcação e de lá esse homem me acenava.
Aproximei-me e dele ganhei um pacote de pescadas. Eu nada entendi, e para não me deixar sem jeito o rapaz me explicou que era tradição ao voltar da pesca oferecer como presente uma porção do arrecadado à primeira pessoa que eles avistassem de alto mar. Caso não houvesse ninguém na praia, seria um mau presságio para a próxima saída para o mar. Aceitei, agradeci. Mas algo a mais acontecia naquele momento.
O rapaz, depois de me entregar o pacote rusticamente feito com os peixes, segurou-me pelo braço quando eu ia me virando para retomar meus caminhos. Os olhares se cruzaram e a brisa voltou a oferecer o seu encantamento.