domingo, dezembro 13, 2009

Os desencontros de si e os encontros


Adalberto, acorda, abre as janelas e recebe aquele abafado ar da primavera que vai se despedindo e dando espaço ao verão, recua, olha-se no espelho e percebe que os dias têm lhe passado mais ligeiro que o tempo real. Lembrou-se inclusive das aulas de física e relatividade do professor Cretídio.

Foi até a cozinha, preparou o café na cafeteira e, enquanto essa lhe fazia o serviço único de passar o café, foi até a rua em busca do jornal. Ao abrir a porta, percebeu que havia três jornais lançados à sua porta, intactos. Deduziu faz três dias que não saio de casa... Recolheu-os meio sem graça, entrou e foi verificar o café. Descobriu mais, havia preparado a cafeteira única e exclusivamente para passar a água pura! Respirou fundo. Um, dois e três. Desligou a cafeteira, emborcou a água quente no compartimento, colocou o jarro, o coador, o pó, desta vez o pó! Enquanto isso, abriu a geladeira, retirou seus cacetins envelhecidos, colocou dois dos três na grelha para se renovarem, serviu-se de café, comeu dos pães, apenas um e foi abrir o jornal do dia. Abriu-o, folheou-o e buscou os classificados de emprego. Antes de abrir os classificados, olhou o relógio, eram onze horas, abriu e enfrentou a busca.

Ofertas de emprego para múltiplas funções. Nada para professores de Língua Portuguesa e suas literaturas. Fechou o jornal. Coçou-se, respirou fundo. Olhou as horas, era quase meio-dia... Os dias passavam ligeiramente rápidos para ele; sentia-se envelhecido, sem forças, opaco e sem dinheiro. Os dias passavam lentamente para que chegasse o dia D, o dia de novamente assinar um contrato profissional. Era para talvez estar mais ou menos acostumado, a cada um ano letivo trabalhando tinha junto três, quatro meses sem trabalho, mas desta vez já era demais! Quase nove meses sem trabalho! Um tempo suficiente para um parto.

Decidiu sair aquele dia. Tomou um banho, vestiu-se esportivamente e foi à fruteira do Seu Zé. Escolheu os tomates, o tempero verde, as cebolas, a abóbora cabutiá, as batatas doces e inglesas; ao dirigir-se para pagar, Seu Zé lhe pergunta com tom de deboche se já estava empregado, pois estava sumido; com humilde tom, Adalberto lhe respondeu que já estava quase, estava decidindo umas atitudes. Qual atitudes não foram reveladas ao Seu Zé, pois nem mesmo Adalberto sabia.

Em casa, Adalberto pusera-se a pensar para encontrar uma saída. Não agüentava mais os olhares dos vizinhos, os scraps dos amigos perguntando como estava, se já havia arrumado um emprego, os familiares lhe telefonando... Precisava dar fim a tudo isto e a pôr movimento e dinheiro na sua vida. Situações diversas passaram pela sua mente...

Podia telefonar para algum rico, arriscar dizer que sequestrara sua mulher e pedir uma grana boa o suficiente, mas boa mesmo, o bastante para poder quem sabe... Não, não adiantava, nem um seqüestro falso era capaz de bolar, afinal, não precisava de dinheiro apenas, precisava mesmo era de movimento, isso fora a sua motivação na hora de escolher a carreira, não o dinheiro.

Folheou o jornal. Quem sabe uma idéia, uma proposta. Olhando novamente os anúncios, percebeu os classificados de Procura-se homem que isso e aquilo outro. Um requisito que quase sempre estava presente era saber e gostar de dançar. Jamais imaginara outrora em responder a um anúncio destes! Não era homem de encontrar namorada via jornal. Mas quem sabe um namoro de aluguel? Afinal, namorada não queria, mas dinheiro e movimento sim. Ainda era jovem o bastante, tinha boa aparência, falava também inglês, espanhol e francês, entendia de cinema, literatura, apreciava o teatro, sabia dançar muito bem e gostava de comidas requintadas... As idéias de Adalberto começavam a ganhar vida, começavam a ganhar brilho... E mesmo assim, a maior demanda de trabalho seriam aos finais de semana, quando conseguisse aulas, isso poderia se tornar apenas um bico, e mais, diversão paga.

Olhara seu guardarroupas, tinha ainda algumas roupas boas, aquelas usadas nas formaturas de alunos, tinha apenas um par de sapatos bons, somente estes não lhe bastariam, pois eram apenas bons... Se quer conhecer a origem do homem, olhe para os seus sapatos. Eis o ditado. Adalberto decidiu ligar para o jornal, gastar onze reais e anunciar-se como namorado de aluguel no jornal de domingo.

Era sexta-feira, Adalberto acordou ansioso. Não esperava pela hora de receber a primeira proposta. Pedira cinqüenta reais pela hora. Era hora do almoço e já havia se arrependido, achara tudo uma loucura, pensara nas amigas de sua mãe, de sua avó lhe contratando... Mas agora a sorte ou o azar estavam lançados... Nem mesmo se lembrara de especificar no anúncio que só sairia com mulheres apenas, imaginara as Saritas que lhe telefonariam... Assim que tomara a decisão de ligar ao centro de atendimento ao cliente para cancelar o anúncio, notara que seu telefone, por falta de pagamento, só estava a receber ligações. E agora? Adalberto sem saber o que fazer, percebeu claramente que sim, o dinheiro sim estava terminando, nem para o telefone tivera dinheiro. Teria sim de continuar com a idéia do namoro de aluguel. Passaria então a rezar para todos os santos que Saritas não, definitivamente não iriam lhe aparecer.

Nem bem o jornal de domingo chegou às bancas no sábado, o telefone de Adalberto tocou. Hesitara entre a ansiedade e o temor. Não havia sequer treinado como atenderia ao telefone. No quinto toque, atendeu com um rouco sim. Era sim o seu maior temor Roberta, mulher de trinta procura um homem distinto para acompanhá-la às compras, almoçar em restaurante japonês e terminar o dia com um cineminha. Prometia pagar o dobro por hora, cenzinho por hora, com toda a programação, Adalberto receberia uns seiscentos reais apenas no domingo. Sim. E como, podemos nos encontrar? Como lhe faço o pagamento?

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