sábado, março 24, 2007

Contos do Bar Universitário I e II


Bar universitário I

-Cara, nem tem conto... Perdi o emprego semana passada. Hoje, perdi o namorado!
-Ah, e eu... Além de emprego e namorada, fui despejado! Ah, já ia me esquecendo, também fui assaltado no dia em que fui receber a primeira parcela do seguro-desemprego. Estava com todo o dinheiro na carteira, veio um maluco e... Só senti que perdia a carteira...
-Meu, cê nem sabe... Com tanto tumulto de lá pra cá, me esqueci.
-De quê?
-Ah? Esqueci.
-Esqueceu de quê?
-Até do que esqueci.

Bar universitário II

-Mulher! Quanto tempo!
-Pois é rapaz! Não te vejo há mais de tempo no campus... Por onde você anda?
-Ah... Façamos assim, vamos tomar umas cachaças e aí te conto.
-Garçom! Manda aquela, a da casa, mas da ouro, heim!
-Manda aqui uma da prata.
-E então, o que é que manda?
-Manda que fiquei seis meses sem sair de casa. Depois fiquei outros dois preso.
-Por que tanta violência? Preso? O que você aprontou?
-Porque eu havia me esquecido do que eu fazia, aí fiquei em casa até lembrar.
-Credo. Sabe que eu andei assim... Na verdade ainda ando. Assim, esquecida de tudo. Avoada...
-Pois é. Tudo começou quando o Bortoni marcou uma prova. Aí fui pra casa. Tinha decidido que ia dormir primeiro e depois estudar. Dormi profundamente. Sonhei com uns caras estranhos, eu tava armado e matando um bando. Depois, um cachorro se agarrou no meu braço direito. Fingi que era policial e saí pelo bando da polícia. Quando passei por quase todos, soltei o cachorro e saí correndo. Acordei com o coração aos pulos.
-Ah, e daí?
-Daí que acordei e o sonho tava misturado na vida real. Comecei a achar que era guerrilheiro. De repente, dormi de novo. Sonhei com um assalto. Depois sonhei que estava num galpão fechado com outros caras. Tinha um chefe e esse me disse para ficar esperando o contato para agir. Acordei e fiquei esperando o contato.
-Como assim? Você dorme, sonha, acorda e acha que tudo foi real?
-Pois é. Um dia, já tinha quatro meses que eu não saia de casa. Pedia comida pronta pelo telefone. Ah, detalhe: eu mandava por na conta do Merluzzi. Eu disse que esse cara era o meu patrão e que depois ele ia entrar em contato com o restaurante e pagar a conta.
-Vixi. E eles acreditaram assim, na boa?
-Pois é, acreditaram e mandaram o rango por quatro meses. Mas, aí, como o Merluzzi não aparecia com o dinheiro, o restaurante começou a desconfiar. Acharam melhor entrar em contato com o proprietário lá de casa. Esse, coitado! Já havia gasto os três depósitos-fiança e não sabia o que fazer, pois para o quarto mês já não tinha mais dinheiro. Antes de ele usar os depósitos, ele veio falar comigo, eu disse pra ele usá-los que depois a gente acertava. Eu não podia sair de casa, tinha que esperar o contato do patrão para saber o que fazer.
-E o que ele fez depois que acabou o dinheiro?
-Ele me ligou. Falei a mesma coisa que ao restaurante: o Merluzzi vai pagar... Vai segurando as pontas aí. Meu Deus! Um e outro não sabiam quem era o tal Merluzzi... Eu não arredava o pé de casa nem para pegar a marmita do restaurante, eu não podia ser visto por estranhos...
-E como o cara te entregava a marmita?
-Fiz uma passagem na porta do apartamento. Igual aquelas de motel, sabe?
-Sei... E daí? Ficaram lá esperando o tal Merluzzi?
-Nada. Resolveram investigar, sabe como é esse povo... Estudante que mora sozinho pode ficar doido...
-Chamaram a polícia?
-Nada, que mané polícia o quê! Chamaram o hospício.
-Meu Deus! E o que houve?
-Ha! Fui levado em camisa de força. Tomei choque na cabeça um mês, depois só bagas e terapia.
-Meu Deus! Tudo isso por causa da prova do Bortoni?
-Então, o psiquiatra disse que não foi a prova que causou a esquizofrenia.
-E foi o que, então?
-Foi um desejo que tive um dia.
-Um desejo?
-É. Sabe aquelas noites que a gente sai da faculdade cansado, estressado, meio sem saber o que quer, se quer comer, comer o que, se quer dormir ou ir para um bar...
-Ah?
-O psiquiatra disse que eu devo ter desejado mudar de vida, ser um guerrilheiro, alguma coisa assim. E como o estresse foi tanto que esse desejo virou sonho e depois fantasia, pois se misturou ao meu senso de realidade.
-Mas, e agora, você está bem?
-Nada! Estou trabalhando em dois empregos, estudando à noite. No final de semana, tenho feito um bico de guardador de carros no centro.
-Nossa, para que tanta violência?
-Tenho que pagar R$1.600 ao restaurante, mais R$1000 ao dono do apartamento, mais R$2500 da portinha de motel e mais R$5300 ao hospício, ou seja, estou devendo mais de R$10000! Fora o que devo à companhia telefônica e à de luz. Ah, como eu ia me esquecendo: o condomínio, também tô devendo! Essas dívidas ficaram em torno de R$700.
-Meu Deus! Mas com tanta dívida e com tanto estresse... Garçom desce uma prata, agora, pra mim.
-Ah, vou de ouro, por favor.
-Como ia dizendo, você pode pirar outra vez...
-Pois é... Foi o que eu disse ao psiquiatra. Eu quis um atestado de louco para apresentar ao povo que tô devendo e assim ficar isento das dívidas, mas sabe como é... O Estado está com a verba de sustento de inválidos quase invalidada...
-Como sempre: nunca tem verba!
-E aí, tenho que trabalhar, né?
-Mas, me diga, você é guarda-carros e o que mais?
-Ah? Eu guarda-carros? Tá maluca? Eu nem guardo a mim mesmo, vou guardar carros?
-Mas você disse que guardava os carros no centro da cidade?
-Nada disso.
-E tem trabalhado em que, então?
-Eu trabalhado? Tá louca. Tenho um pai empresário para quê? Para me sustentar é claro!
-Mas...
-Xiiii... Mulher, você tá piradinha, heim? Acho melhor você parar de beber e ir embora? Onde você mora?
-Moro ainda lá no Pantanal. Você sabe onde moro, você já foi lá, lembra?
-Eu não. Tô te conhecendo hoje! Credo, tem cada louco por aí...

Bar universitário III

-Oi! Acho que te conheço...
-É, você não me é estranha...
-Acho que nos vimos no almoço de hoje, certo? Almoçamos na mesma mesa?
-Não, acho que não... Não mesmo. Hoje almocei em casa.
-Então, talvez, tenhamos nos visto no ônibus...
-Não, hoje eu peguei uma carona com a minha vizinha...
-Já sei! No Hospital Universitário!
-Isso! Pode ser!
-Você... não sei...
-O que?
-É que eu estava na fila do Dr. Otto...
-O psiquiatra?
-É...
-Isso! Foi lá mesmo!
-Você também é paciente dele?
-Não.
-Não? Menos mal. E então, o que fazia lá?
-Sou paciente da Dra. Claúdia.
-Dra. Claúdia?
-A psicoterapeuta.

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